Sejam colaboradores, média, alta liderança, acionistas, todos nós já entendemos que pensar na saúde mental das pessoas requer um olhar sistêmico, uma visão mais ampla onde não apenas os indivíduos “precisam se cuidar”, mas os ambientes que eles fazem parte têm também uma responsabilidade conjunta.

E é sobre este assunto tão importante – e necessário – que vamos conversar por aqui!

A tríade de saúde mental importante e esclarecedora que apoia a vivência no mundo corporativo

Dados recentes sobre a força de trabalho, que fazem parte do relatório Gallup 2022, apontam, dentre outros números, o quanto as questões relacionadas a estresse e não engajamento no trabalho custam ao PIB Global: atualmente estamos falando de 9%.

Num recorte de Brasil: estamos num cenário em que 33% dos trabalhadores brasileiros têm ou terão algum transtorno mental.

Pensar uma única estratégia, uma via de mão única para cuidados de saúde mental dentro das organizações hoje soa não só superficial, mas inocente, já que não trará a melhoria que todos os lados almejam.

Sabemos que o trabalho é o local em que nós, adultos, passamos mais tempo acordados; por assim dizer, esse ambiente trará em si algumas ambiguidades, podendo funcionar, em diferentes momentos, como algo que nos traga mais bem-estar, conforto, realizações, saúde, como também poderá ser palco de quadros de adoecimento, mal-estar e conflitos.

Tudo isso, por si só, pede a todos que fazem parte, uma atenção especial, que direcione esforços e condições psicossociais que vetorizem mais para uma direção que inclua produtividade, colaboração e também bem-estar.

Sendo assim, aqui na Crescimentum, acreditamos que falar de saúde mental no mundo do trabalho de modo responsável, profundo e integral é falar de três pontos: sujeito, liderança e organização.

Vamos explorar cada um desses elos em busca de gerar condições mais saudáveis para todos nós?

Eixo SUJEITO – em primeiro lugar, cada colaborador precisa ser responsável pelo seu autocuidado (e vale em todos os níveis hierárquicos!)

Conhecer sua própria escuridão é a melhor maneira de lidar com a escuridão de outras pessoas” dizia Carl Gustav Jung.

Falar de sujeito é falar de você, de mim, de nós adultos, hoje trabalhando para alguém, para alguma empresa.

É notória hoje uma elevada preocupação nunca antes vista em relação à nossa saúde mental – seja na roda de amigos, nos treinamentos ou nas relações familiares. Não é incomum, especialmente pós-pandemia, termos diálogos sobre questões relacionadas à ansiedade e estresse, quadros que nos convocam a olhar para dentro cada vez mais.

A primeira pergunta para nos direcionar num caminho de investigação e autocuidado, então talvez seja: PARA QUE está servindo a sua busca em relação a saúde mental? Quando você dá um Google para entender como está a sua saúde mental, está atendendo a quem? Está servindo a quê?

Pergunto, pois, em diversos contatos com trabalhadores que lidamos nos nossos treinamentos, não é incomum a busca por certas soluções aos sintomas que acometem (insônia, compulsão alimentar, abuso de substâncias) apenas com o olhar para melhorar a produtividade.

Vemos também as pessoas costumeiramente se comparando à produtividade dos colegas (vide o falido “trabalhe enquanto eles dormem”).

É incrível a gente querer saber, é ótimo falarmos hoje da importância de um certo letramento nessa temática, esse ponto é bem positivo, mas muitas vezes a necessidade de pôr um nome, um autodiagnóstico, nada ajuda – conheço várias pessoas que nunca foram num psiquiatra e já se dizem ansiosas, com rótulos como “tenho TDAH, não tenho foco” apesar de nunca ter recebido um diagnóstico profissional e já se auto declaram assim.

Muito cuidado com manuais e nomes!

Vivemos uma era de hiperdiagnósticos e hipermedicalização, mas há algo no mundo que não passa por esses diagnósticos, trata-se apenas de uma falta típica da nossa existência em civilização, como nos ensina Freud e todos os estudos da psicanálise.

Talvez o mais interessante seja entender a dose desse mal-estar, se é uma sensação que só preciso perceber meus gatilhos para lidar com essa falta – como, por exemplo, a compulsão alimentar, o famoso “eu mereço” ou se é algo que gira em torno de uma atenção realmente ao meu bem-estar e saúde (com sinais e sintomas fora dos meus padrões de existência rotineiros) e que não é o Google que vai ajudar. Precisarei de uma ajuda profissional.

E é hora de buscá-la, sem ter o peso dos estigmas em cima de mim mesmo – posso e devo buscar apoio.

Eixo LIDERANÇA – Líderes, vocês são agentes de saúde no dia a dia!

“Eu sou uma liderança que quer impactar positivamente a vida dos meus liderados, uma liderança que não quer criar um ambiente tóxico onde as pessoas adoecem” – todos queremos ser promotores de bem-estar, certo?

Então, a primeira pergunta para você é: líder, como está a sua relação com as pessoas da sua equipe? Você se relaciona verdadeiramente com essas pessoas, enxerga elas para além do crachá, da relação formal, da performance? Existem seres humanos ali, com histórias, com dores, com expectativas…

Talvez um bom início é como a liderança olha para si mesma dentro do trabalho – esse olhar é humanizado? Sei reconhecer em mim sinais importantes de saúde mental, de bem-estar? Legítimo que o local de trabalho seja um lugar onde seres humanos estão ali completamente, com seus pontos positivos e negativos e não só um número de matrícula?

A sua mesma dedicação para entender as conjecturas do negócio, os KPIs, é também usada para buscar conhecimento em relação ao que se passa dentro de nós, das nossas emoções e como elas influenciam o humano que entregamos ao mundo?

A importância do letramento em saúde mental

Onde você, líder, está em relação a essa temática? Considera que depressão é frescura, exagero, por exemplo?

Aqui temos um ponto de atenção bem importante, porque a liderança não fomentar um olhar mais atualizado, sensível à importância desse tema significa que certamente essa liderança não está pronta para ter um local de trabalho mais anti-burnout, já que não olhar para o problema não faz ele não existir, definitivamente.

Segundo pesquisa recente, líderes impactam mais a saúde mental das suas equipes do que os terapeutas ou seus parceiros amorosos.

Digo sempre que seja como for, você, líder, está impactando as pessoas ao seu redor – resta saber se seu maior impacto está sendo positivo ou negativo.

Liderança que intencionalmente promove saúde mental é aquela que lança um olhar para cada colaborador(a) enquanto visão na sua jornada, caminho, não que busca agir com uma única estratégia, como num momento isolado, como num período de metas mais agressivas, por exemplo.

Se você busca ampliar o seu impacto positivo, ser uma liderança que gera bem-estar, abaixo elencamos cinco passos que ajudam a ter uma liderança que verdadeiramente promove a saúde mental da sua equipe:

1º passo

Ter uma mínima noção das questões que as pessoas da sua equipe possuem (independente de diagnóstico) e se adequar a um olhar cuidadoso com cada uma – será que estou me adaptando à necessidade de cada um? É promover um contexto onde eu me esforço conscientemente para abraçar diferentes formas de existir, de ser e estar no mundo.

2º passo

Estudar, ler para ter um letramento condizente para ser uma liderança mais inclusiva, afinal o mundo está mudando e ninguém tem obrigação de saber tudo, estar 100% antenado com uma nova nomenclatura, por exemplo, mas a pauta saúde mental passa a fazer parte da minha agenda de estudos*.

Aqui estão alguns exemplos de ótimos conteúdos que podemos encontrar atualmente nas redes que apoiam um letramento nessa temática: Izabella Camargo (jornalista), Carla Furtado (psicóloga), Elisama Santos (psicanalista), Alexandre Coimbra Amaral (psicólogo).

3º passo

Não deduzir como as pessoas querem ser tratadas (alguém que precisa de uns dias de folga para não estafar e está em casa, alguém que está voltando depois de um afastamento, alguém que recebeu diagnóstico e compartilhou com você), pergunte, se coloque como aprendiz e como alguém que quer acolher e não use a régua “vou fazer como gostaria que fizessem comigo”.

4º passo

Estabeleça check-ins emocionais através de reuniões 1:1 para perceber, antes de um possível afastamento, sinais que muitas vezes a própria pessoa não quer enxergar. Por exemplo, captar que o sono dela está sendo uma queixa constante, ou algum evento estressor recente (divórcio, luto, etc.), assim, você poderá orientá-la adequadamente, usando os recursos que a organização oferece.

Se você conhece sua equipe, tem pessoas na agenda, fica mais fácil ser um líder que apoia na prevenção.

5º passo

Percebeu que alguém da sua equipe está em crise, está a um triz de uma estafa?

Seja uma liderança que apoia, que redireciona demandas, que dá um alívio, para que não seja só conversa, mas sim que você tenha ações práticas – passar alguns projetos para outros colegas, dar maior flexibilidade na carga horária, etc.

EIXO ORGANIZAÇÃO – indo além da ponta do iceberg

Estamos em 2023 e, depois de anos intensos em que a sociedade está lidando com novos desafios e o trabalho invadiu a nossa casa, especialmente pós-pandemia, entendemos que já não dá para colocar a conta do bem-estar emocional como responsabilidade apenas do sujeito ou apenas da liderança com frases como: “busque fazer atividade física e meditação e nunca terá questões de saúde mental”; ou “treine liderança e assim ela jamais será uma liderança que gere ambiente tóxico”.

Então, é preciso completar a tríade para promover um ambiente de trabalho que deixe as pessoas com mais prevenção e tratamento no médio e longo prazo.

Falar de saúde mental é falar de um olhar sistêmico, que olha o ser humano a partir de um ponto de vista integral – suas relações (rede de apoio), suas condições físicas, seu contexto de vida e, claro, sua subjetividade. Sendo assim, falar dessa temática no mundo organizacional é também dizer que um olhar mais superficial não vai resolver a problemática.

A superficialidade aqui diz respeito a olhar para saúde mental pensando em ações que, isoladas, não geram resultados efetivos nos colaboradores, como: colocar puffs coloridos, ter apps de terapia, oferecer academia, etc. – ações assim, apesar de interessantes, podem funcionar apenas como a ponta do iceberg se quisermos olhar a temática de modo mais amplo e eficaz.

Olhar a saúde mental atualmente é olhar para o fundo do iceberg, a partir de algo que aponte condições psicossociais que, juntas, em sincronia com os demais pilares, levem a um bem-estar coletivo.

Como olhar de modo mais sistêmico, coletivo para esse eixo, pode favorecer melhores condições psicossociais no ambiente organizacional?

1º compromisso

O primeiro ponto para a alta liderança olhar mais profundamente, é entender as políticas de remuneração e benefícios oferecidas – elas contemplam as necessidades mais básicas dos funcionários?

Leia-se: sobrevivência: saber que recebo pelo que trabalho e que todos os combinados nesse sentido estão sendo seguidos – valores, prazos, carga horária e volume de trabalho.

2º compromisso

Cuidado com narrativa organizacional que leve ao “horário flexível” – sem combinados, sem acordos de convivência, isso pode gerar uma angústia que como “não tenho horário tão fixo, trabalho a qualquer hora e preciso responder a qualquer hora”, um quadro importante que pode tirar fronteiras já tênues entre vida pessoal e profissional, trabalho-família, etc.. gerando a médio e longo prazo efeitos danosos à saúde do indivíduo.

Como nos diz Amy Edmondson, em seu livro “Organização sem Medo”, a hierarquia pesa, os colaboradores tendem a se sentirem penalizados (ainda que isso não se confirme concretamente) quando não respondem à liderança.

3º compromisso

Volume de trabalho por colaborador: é visto/revisto o volume de trabalho por colaborador, buscando entender se talvez cada funcionário está fazendo trabalho de 2 ou 3 colegas que saíram?

Com tudo isso em mente e à vista já que este é um pilar tão estrutural na dinâmica das organizações, abaixo deixamos indicações para você, alta liderança ou profissional de RH:

Cuide das lideranças, elas também estão doentes, como elas estão se sentindo apoiadas pelos subsistemas da organização?

Olhe para o passado: onde já erraram? Onde podem aprender com essas más práticas lá atrás para não repetir? O que foi importante já feito e pode continuar na visão dos colaboradores e líderes? Por exemplo: com entrevistas com gestores e funcionários que já estiveram afastados por questões de saúde mental.

Áreas de People & Employee Experience com pesquisas Pulse para entender como os funcionários enxergam hoje essa temática, para levantar o que está sendo bom e o que não está tão bom assim e programar novas ações.

 – Busque parceiros no mercado (especialmente se o tamanho da empresa não permite ter sua própria psicóloga, psiquiatra, assistente social) mostrando para C-level ao longo dos meses e anos os impactos positivos das ações nessa área (métricas como ROI – retorno sobre o investimento).

Precisamos de ações contínuas!

Falar de cuidar de saúde mental é falar de ações contínuas, que ouvem as pessoas, trazem acolhimento, níveis de consciência para sinais e sintomas e como quem acolhe está sendo acolhido.

São diretrizes novas, estamos todos aprendendo a olhar a saúde dos funcionários de modo mais integrativo, o que precisamos enquanto sociedade e enquanto iniciativa privada (atuando no pilar S do ESG) é levarmos esse assunto na pauta do negócio, investindo e permitindo a saúde ser um verdadeiro valor para todos nós.

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Até a próxima!

Por Laís Mascarenhas, psicóloga e trainer da Crescimentum