Estamos diante de uma crise sem precedentes, com muitas incertezas. Se, por um lado, os líderes precisam entender os cenários e considerar ameaças antes inimagináveis, por outro, há um mar de novas possibilidades e oportunidades que nem conseguimos identificar ainda.

Mais do que nunca, precisamos estar atentos e despertos para tomar decisões e fazer escolhas de proteção antes que seja tarde demais.

Os impactos da crise nas organizações

A grande maioria dos negócios está sob ameaça. Não sabemos avaliar o tamanho do impacto na economia, qual o tamanho na queda da atividade e se os nossos clientes e fornecedores resistirão e conseguirão “atravessar o rio”.

É claro que o momento exige uma forte atenção para a sobrevivência, mas não é só isso!

Assim como tudo na vida passa, essa crise também vai passar e depois seremos lembrados não só por ter sobrevivido a essa tormenta, mas pela maneira que conduzimos o barco, pelas escolhas que fizemos e pela responsabilidade que tivemos com todas as nossas relações.

A integridade será colocada à prova e seremos testados se, efetivamente, conseguimos honrar com aquilo que sempre pregamos.

Diante das incertezas e desafios a que estamos submetidos, tenho percebido muita gente sem saber direito o que fazer e como agir, muitas vezes tomando decisões precipitadas ou demorando demais para tomar decisões duras, mas necessárias.

À luz desses acontecimentos, recorro aos aprendizados desses últimos quase 10 anos em que venho trabalhando com o modelo dos 7 níveis de consciência de Richard Barrett.

O conceito pode servir como uma valiosa ferramenta que nos ajuda na ampliação dessa reflexão. É uma forma holística de observar o momento, que nos permite melhor estruturar as nossas escolhas pensando no aqui e agora, mas sem perder de vista o futuro e toda complexidade da vida em sociedade.

Este modelo explica a jornada de evolução dos indivíduos. Associa cada estágio evolutivo com as suas necessidades, desejos e valores, assim como explica a partir de que níveis estamos operando nas situações da vida.

Da mesma forma, podemos associar os níveis que caracterizam a cultura de uma organização e onde ela está operando.

A consciência de onde estamos concentrando as nossas energias e como estamos encarando os desafios estratégicos, nos permite escolher e priorizar valores que nos apoiam no processo evolutivo. Esse é o contexto da gestão de cultura por valores.

Acredito que o conceito e filosofia apresentados a seguir trarão o contexto necessário e suficiente para analisar o momento com base no modelo Barrett. Mas se você quiser aprofundar na compreensão do modelo, veja neste link.

Agora, vamos refletir sobre o momento, destacando o nível de consciência / estilo de liderança:

Nível 1 – Sobrevivência/Gestor de crises

Foco na segurança e estabilidade financeira da organização bem como na saúde e bem-estar integral dos colaboradores para que estejam seguros e assistidos em suas necessidades básicas de sobrevivência.

Precisamos sobreviver a esta crise, salvar a empresa, pois, sem ela, todos perdem. Nessa hora, o pensamento é preservar ao máximo o fluxo de caixa. Verificar se os fornecedores essenciais conseguirão sobreviver e já pensar em alternativas.

Também é preciso reavaliar o risco de clientes que sempre foram bons pagadores, mas podem deixar de existir em curto espaço de tempo.

Cuidado com o uso do caixa para financiar as vendas nesse momento em que os recebimentos são incertos. É bom criar cenários e projetar fluxos de caixa para cada cenário. Muito importante não se iludir, pense no pior!

Mesmo que a quarentena acabe antes do previsto, continuará a ser imprevisível qual o tempo que as receitas voltarão a níveis de sustentação do business. Hora de colocar a lupa nas despesas, cortar tudo que não é essencial para sobreviver.

Aproveite para acabar com vazamentos e muitos aspectos já identificados e que até aqui não tinham sido “atacados”, é uma excelente oportunidade para isso!

Atenção para a saúde dos colaboradores e de sua família. Cuidado com a eventual exposição no ambiente de trabalho em ambientes fechados. Se possível, coloque as pessoas em regime de Home Office ou viabilize transporte isolado para os colabores que precisam estar presentes.

Prepare as pessoas quanto às possíveis consequências de uma retração econômica e os possíveis impactos na renda de cada um. Todos têm que economizar.

Orientações e assistência quanto às melhores práticas são essenciais para a preservação da saúde física, como alimentação, atividade física e meditação como forma de se preservar e fortalecer o sistema imunológico.

Nível 2 – Relacionamento/Gestor de relacionamento

O foco aqui é a construção de relações harmoniosas que criam uma sensação de pertencimento e fidelidade entre funcionários e conexão entre a organização e seus clientes.

Ok, sabemos que precisamos sobreviver, caso contrário não haverá o amanhã! Mas, para além disso, é muito importante preservar as nossas relações. Gerar empatia.

Estabelecer relações positivas e comunicação aberta com todos os “stakeholders” (colaboradores, acionistas, clientes, fornecedores e a sociedade como um todo), gerando esse senso de pertencimento e o engajamento tão importantes.

Em situação de isolamento, os colaboradores também sentem falta da interação humana, até as conversas de corredor demonstram-se valiosas. Estimular o cuidado mútuo entre pessoas com interação frequente, mesmo que virtual, se faz essencial, e precisamos criar meios para isso.

Agir com transparência nesse momento será essencial para que as expectativas se alinhem com a realidade e desafios por vir. Momento de comunicação aberta e fluida, todos precisam saber de tudo que está acontecendo.

As pessoas compreendem a gravidade do momento e tendem a aceitar as decisões mais duras, desde que tudo seja tratado com respeito e acolhimento.

Da mesma forma, com os fornecedores e clientes. Todos são pessoas que, assim como você, estão apreensivos, ansiosos e com medo. O momento é de generosidade, acolhimento e solidariedade.

Por mais que seja preciso endurecer, não se pode perder a ternura.

Nível 3 – Autoestima/Gestor de performance

Momento de revisitar métodos, sistemas e tornar a operação mais leve e mais efetiva. Melhorar a produtividade diante da escassez de recursos. Esta será uma grande oportunidade de reavaliar práticas e processos desnecessários, fique atento.

Temos em perspectiva uma grande chance, mesmo que de forma compulsória, de instrumentalizar a organização para os sistemas de trabalho remoto (VPN, diferentes tipos de plataformas de videoconferência, etc).

Estamos aprendendo a trabalhar em Home Office e desmistificando os aspectos de controle naturalmente intrínsecos aos processos de gestão tradicional. Hora de migrar o ponto de controle para as entregas e não para a “presença física”, quebra de paradigmas.

Aprender a compartilhar conhecimento, por meio de vídeo, cartilhas e compartilhando boas práticas, contribui para a eficiência no dia a dia de trabalho.

Com a mudança no cenário econômico e das relações de trabalho, as funções típicas de cada posto de trabalho tendem a mudar.

Neste momento, a equipe deve ter o momento para elaborar o seu ‘plano de gestão da crise’, considerando as tarefas sob sua responsabilidade e compartilhar com o grupo.

Assim, as equipes ficam alinhadas e concentram suas energias em um mesmo foco. Isso também contribui para que cada colaborador se sinta incluído, reconhecido e valorizado, aumentando o seu senso de autonomia e protagonismo. Da equipe, podem vir as melhores soluções.

Entropia Cultural

Aqui, é importante dar uma pausa para dialogar sobre o medo. Nos 3 primeiros níveis existem, respectivamente, o medo de não ter o suficiente, o medo de não ser bem quisto e o medo de não ser bom o suficiente.

O conjunto desses medos gera o conceito de entropia cultural, que se caracteriza pela perda de energia e desgaste. É o calor sem movimento!

Esses medos podem limitar a nossa capacidade de evoluir, quando entram no ar valores como o controle, caos, cautela, culpa, burocracia e arrogância, por exemplo, que nos mantém no ego!

Cuidado para não operar exclusivamente nesse local. É claro que o momento crítico demanda atenção para os níveis de necessidades básicas, mas encarados com coragem e ação, sem perder de vista que as soluções criativas e a inovação surgem e prosperam a partir de motivações dos níveis superiores.

Nível 4 – Transformação/Facilitador e influenciador

As energias aqui são fundamentais na situação de crise, pela necessidade de renovação e rápida adaptação à mudança de cenário. Deve-se buscar novas práticas e processos adequados através da aprendizagem contínua, atualização técnico-científica, inovação e evolução constante.

Deve existir liberdade e autonomia responsável, sem perder o foco nos objetivos estratégicos. Aproveitar de toda tecnologia de interação à distância e desenvolver tecnologia de operação em Home Office e virtual meeting.

Hora de colocar a adaptabilidade a serviço do negócio, essa é a palavra de ordem. Cada colaborador é especialista em seu microcosmo, então é a melhor pessoa para ser proativa em dar ideias de como pode adaptar sua função para melhor assistir a companhia neste tempo de crise. Desperte nele esse senso e valorize-o diante desta possibilidade. Isto engaja!

Hora de aprender um pouco mais. Momento oportuno para ampliar conhecimento e ganhar novas habilidades, estudo de línguas, novas técnicas, cursos online e uma infindável diversidade de conhecimentos que poderão ser incorporados ao negócio quando a vida voltar ao normal.

Hora de “limpar” o backlog e refinar o nível de organização e métodos de trabalho.

Nível 5 – Coesão interna/Líder inspirador

Esse é o nível do desenvolvimento de uma comunidade interna com forte conexão de significado e propósito.

Uma situação de exceção coloca a cultura da organização à prova. Porém, ter os rituais e comportamentos congruentes com a cultura forte e coesa é justamente o que demonstra a integridade da companhia.

Embora as organizações estejam muito pressionadas pela situação de crise geral, o líder deve se mostrar congruente em suas atitudes com aquilo que representa a sua ideologia, missão e valores.

É importante ser a referência de comprometimento com o coletivo, demonstrando transparência, honestidade e integridade. É claro que muitas decisões difíceis precisam ser tomadas, mas sempre norteadas pelos valores da cultura.

Em situação de crise, podemos nos obrigar a trabalhar a distância, com isso nosso comprometimento com as entregas e honestidade devem ser fortalecidos. Assim, lideranças afeitas ao microgerenciamento também estão desafiadas a empoderar cada dia mais seus times, fortalecendo a confiança.

Nível 6 – Fazer a diferença/Líder mentor e parceiro

A energia deste nível coloca o foco em desenvolver alianças estratégicas e parcerias associadas a sustentabilidade socioambiental, melhores relações institucionais e parcerias operacionais, aproximações culturais e de propósito em busca do bem maior para o todo.

Como a sua organização está contribuindo para o bem comum? Será que estamos fazendo todo o possível para colaborar com parceiros, trabalhando com outros para fazer uma diferença significativa ao dividir experiências positivas, boas práticas e dispor de seu tempo para algum colega com mais dificuldade neste momento?

Além disso, se você tem contato ativo com cliente, é positivo para o bem-estar geral ter em mente que ele também está passando por situações adversas como você.

Trazer a consciência de coletividade e protagonizar as relações buscando alianças e parcerias de forma colaborativa, é primordial.

Esse é o momento de ser mentor das nossas pessoas, agir como líder coach, apoiando os nossos liderados pares e até superiores para que se mantenham no eixo do equilíbrio e aproveitem a oportunidade para evoluir.

Como você pode colaborar e contribuir com o próximo mesmo diante de toda adversidade e como, mesmo à distância, você pode se manter conectado?

Nível 7 – Serviço/Líder visionário

A energia neste nível é colocada no altruísmo, na preocupação em servir a humanidade e o planeta, nas gerações futuras, na responsabilidade social e no bem comum.

Valores fundamentais estão neste nível: ética, compaixão, pensamento holístico, perdão e humildade por exemplo.

O posicionamento da empresa e de seus colaboradores apoiando as orientações de estado diante da crise, não só pensando na saúde dos funcionários, na economia do país e da organização, mas também na contribuição com a humanidade, é um posicionamento muito poderoso.

É uma maneira de servir à humanidade e ao planeta, com responsabilidade social e compaixão com as gerações futuras.

Quais são os próximos passos?

Naturalmente, os momentos de crise trazem desafios que são maiores ou menores a depender da atividade econômica da organização, da forma que ela está estruturada e do tamanho da sua vulnerabilidade.

Sabemos que a maturidade da organização e seus dirigentes, também serão determinantes no caminho a ser seguido.

Na metodologia dos 7 níveis de consciência de Richard Barrett, entende-se que uma organização full spectrum, é aquela que consegue operar uma cultura com atenção a cada um dos 7 níveis.

Contudo, sabemos que, a cada momento, a companhia opera prioritariamente em um dos níveis.

O que este artigo traz de contribuição mais valorosa é que, por mais que o momento de crise traga a liderança para atuar majoritariamente no nível 1 de sobrevivência, não podemos esquecer dos demais níveis.

Eles apontam para o atendimento das necessidades de forma mais ampla e holística.

Faça o exercício individual de identificar qual valor está por trás das suas decisões enquanto líder.

Todos os dias, você deve tomar atitudes com foco na sobrevivência do negócio, mas recomendo que você dedique atenção aos demais níveis além do primeiro. Assim, acredito que você irá buscar o equilíbrio sem perder o foco.

Levar em consideração as necessidades de cada nível de consciência pode contribuir com melhores escolhas e amadurecimento para preparar as organizações e seus líderes para atravessar o rio da melhor forma e chegar do outro lado ainda mais fortes, aproveitando as oportunidades que certamente ficarão na mesa!

Por Gui Marback, sócio-diretor e head de Cultura da Crescimentum